segunda-feira, 7 de abril de 2008

Carolina Maria de Jesus



Carolina Maria de Jesus

Uma mulher negra, mãe solteira de três filhos, migrante, catadora de papel que, há quarenta e cinco anos, quando ainda vivia numa das primeiras favelas da cidade de São Paulo, viu a edição de trinta mil exemplares de seu primeiro livro esgotar em três dias. Essa é a história da escritora Carolina Maria de Jesus

Arquivo pessoal de Audálio Dantas



O jornalista Audálio Dantas foi quem “descobriu” Carolina de Jesus ao escrever uma matéria sobre a expansão da favela do Canindé que, em meados dos anos 1960, foi desocupada para que fosse construída a Marginal Tietê. Ao conversar com os moradores, o jornalista conheceu a escritora que lhe mostrou, em seu barraco, uma coleção de cerca de 20 cadernos, recolhidos do lixo, nos quais ela registrava o seu cotidiano.
Dantas convenceu a editora Francisco Alves a publicar os diários de Carolina de Jesus sob o título Quarto de despejo, referência ao modo como a escritora percebia a favela em oposição à cidade: “Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludo, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo”.
Quarto de despejo tornou-se um sucesso editorial, sendo traduzido em treze línguas e mais de quarenta países, vendendo cerca de um milhão de cópias em todo o mundo. Os registros diários de Carolina de Jesus iniciaram-se em 15 de julho de 1955, sendo interrompidos em 28 de julho do mesmo ano e retomados apenas em 2 de maio de 1958. O livro se encerra com um registro feito no dia 1.o. de janeiro de 1960. Mas nem o formato de diário nem a descontinuidade cronológica prejudicam a estrutura narrativa.
Mesmo com dificuldades, a escritora ainda publicou, no Brasil, os livros Casa de alvenaria (1961), Provérbios (1963) e Pedaços da fome (1963) e >i>Diário de Bitita (publicação póstuma, 1982). O historiador José Carlos Sebe Bom Meihy, durante a sua pesquisa para o livro Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus (escrito em parceria com o historiador norte-americano Robert Levine), localizou, junto à família da escritora, uma caixa com trinta e sete cadernos que trazem poemas, contos, quatro romances e três peças de teatro. Para o historiador, esse acervo revela que os diários que fizeram Carolina Maria de Jesus ficar famosa no mundo inteiro, não representam nem de leve a essência da obra da escritora: “estamos em face de um caso único na história da cultura popular nacional, onde, na favela, uma autora semi-analfabetizada produziu uma obra que, segundo o impulso inicialmente dado, seria uma promessa de renovação de nossos critérios de definição cultural”, afirma Bom Meihy ao lamentar o esquecimento de uma escritora com uma importância singular na história brasileira.
Bitita
Eu estava com sete anos e acompanhava a minha mãe por todos os lados. Eu tinha um medo de ficar sozinha. Como se estivesse alguma coisa escondida neste mundo para assustar-me. Eu ainda mamava. Quando senti vontade de mamar comecei a chorar.
"Eu quero irme embora!
Eu quero mamar!
Eu quero irme embora!"
A minha saudosa professora D.Lanita Salvina perguntou-me: "Então a senhora ainda mama?"
"Eu gosto de mamar"
As alunas sorriram.
"Então a senhora não tem vergonha de mamar?"
"Não tenho!"
"A senhorita está ficando mocinha e tem que aprender a ler e escrever, e não vai ter tempo disponível para mamar, porque necessita preparar as lições. Eu gosto de ser obedecida! Estais ouvindo-me D. Carolina Maria de Jesus?"
Fiquei furiosa e respondi com insolência.
"O meu nome é Bitita. Não quero que troque o meu nome."
"O teu nome é Carolina Maria de Jesus."
Era a primeira vez que eu ouvia pronunciar o meu nome.
Que tristeza que senti. Eu não quero este nome, vou trocá-lo por outro.
A professora deu-me umas reguadas nas pernas, parei de chorar. Quando cheguei na minha casa tive nojo de mamar na minha mãe. Compreendi que eu ainda mamava porque era ignorante, ingênua e a escola esclareceu-me um pouco.
Minha mãe sorria dizendo:
"Graças a Deus! Eu lutei para desmamar esta cadela e não consegui. A minha mãe foi beneficiada no meu primeiro dia de aula. Minha tia Oluandimira dizia:
"É porque você é boba e deixa esta negrinha te dominar."
(apud: BOM MEIHY, J.C. Sebe & LEVINE, Robert M. Cinderela negra. A saga de Carolina Maria de Jesus. Editora da UFRJ, 1994, p.173-174)

Nenhum comentário: